Paulo Ghiraldelli Jr.*
As universidades federais vão se tornando grandes colégios, cobrindo os buracos do
ensino médio ruim. A pesquisa? Que SP arque com USP e Unicamp
Não há nenhum complô do governo Dilma contra as universidades federais. As
universidades federais entraram em greve não por uma decisão do governo em
diminuir a qualidade do ensino por meio de arrocho salarial.
Ao contrário, elas entraram em greve pela razão de que há uma despreocupação do
governo Dilma em tomar cuidado para que as universidades federais não se
transformem em grandes colégios.
Pela maneira como o nosso progresso se deu, acabamos por nos acomodar com a seguinte
situação: se precisamos de pesquisa de ponta, parece que ficamos satisfeitos com
o que faz a USP e a Unicamp. Se o nosso ensino médio público não funciona mais,
parece que ficamos mais satisfeitos ainda em transformar toda a rede federal de
ensino superior em um bom substituto para ele.
Desse modo, que o Estado de São Paulo arque em manter universidades com o nome de
universidades, pois aí as federais poderão ter professores melhor pagos que os
de ensino médio para fazer melhor o que o ensino médio fazia.
Não é que um governo sozinho tenha tomado essa decisão. Várias decisões de ordens
diferentes foram tomadas nos governos FHC, Lula e agora Dilma. Todos colaboraram
para que, no frigir dos ovos, esse fosse o resultado.
Como resultado, o que está se configurando é exatamente isto: não é necessário que o
professor de ensino superior federal tenha o salário que tinha, já que as
federais não conseguiram despontar no ranking mundial.
Ora, não há razão de termos mais ciência nacional, filosofia feita em casa e
tecnologia para nós mesmos se, no cômputo maior, vamos trabalhar com importações
e, no miúdo e contingente, com a USP e a Unicamp.
Esse pensamento não corre pela cabeça de ninguém individualmente. No entanto, é
exatamente isso que aparece como a intenção que poderíamos imputar à política
brasileira dos últimos 18 anos. Ninguém intencionou isso. Mas o resultado de
intenções diversas e, talvez, até contrárias a essa situação está levando a ela.
O regime de trabalho de dedicação exclusiva do professor universitário deve ser
preservado. Não se pode jogar fora a rede universitária federal como rede
universitária. Ela não pode e não deve ser uma nova rede de alfabetização
hipertardia, como ocorreu com as faculdades particulares criadas no boom do
ensino superior gerado pela ditadura militar.
Vivemos o desprestígio do professor universitário, porque já se sente que ele deixará de
ser um produtor para ser um reprodutor de conhecimento. É um efeito colateral do
tipo de desenvolvimento que estamos tendo.
Um subproduto desse desenvolvimento é a busca de desenvolvimento pessoal de cada
brasileiro sem que isso signifique ampliação de cultura. Pode significar
conquista de diploma, mas não um salto para se transformar em um indivíduo
melhor. Esse sonho do brasileiro de "se fazer pela educação" foi o sonho dos da
classe média ou mesmo dos trabalhadores até 1970 ou 1980. Não é mais o que o
brasileiro pensa.
A presidente Dilma faria muito se pudesse retardar essa desgraça, até que a
sociedade, talvez por sorte, venha a acreditar que vale a pena ter bons
professores universitários e que para tal se deve pagá-los com um salário que,
na entrada dos anos 1990, não era ruim.
Pois, se a sociedade voltar a pensar assim, então o mecanismo normal do parlamento
democrático, suscetível à população, funcionará em favor da universidade.
* Paulo Ghiraldelli Jr., 54, é filósofo, professor da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e
autor, entre outros, de "Lições de Paulo Freire" (editora Manole).
Fonte: Folha de S.Paulo (7/6/2012)
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