sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Burocratas e Náuseas

Reflexões e desabafos sobre a greve geral das universidades federais, sobre o sindicalismo pelego, o burocratismo político e o petismo

Tito Flávio Bellini*

Do subterrâneo mais profundo, do mais úmido dos pântanos contaminados, emerge o que há de mais vil e sorrateiro no ser humano: o divisionismo, a hipocrisia, a fraude, a traição de classe, o individualismo, o autoritarismo.

Após quase 80 dias da maior greve da história das Universidades Federais Brasileiras, burocratas políticos e burocratas sindicais deram ao povo brasileiro, aos movimentos sociais combativos e à História uma grande aula de ciência política e sociologia.

Sob a agora desbotada bandeira petista, criada no berço do movimento sindical do ABC e da luta contra a ditadura, a mando de sua chefe, uma ex-guerrilheira que foi torturada pelos militares e que tornou-se especialista em tortura psicológica, associada à um ex-professor universitário, economista e sindicalista, o Ministério do Planejamento anunciou unilateralmente o fim das negociações com os professores em greve. Negociações , aliás, que jamais ocorreram com o nível de seriedade e respeito exigido pela situação: atropelos, intransigência, desrespeito, mentiras, distorções e manobras midiáticas tem sido a tônica do governo até agora.

Ao anunciar o fim unilateral das negociações e a assinatura de acordo com a Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior (PROIFES) o Partido dos Trabalhadores no governo nos dá uma grande amostra da sua teoria política, referencial teórico e concepção de Estado e social. É preciso informar que essa federação governista representa menos de 12% das universidades federais, e tem como base 7 universidades, de 59 existentes: UFSCar, UFRN, UFG, UFMS, UFRGS, UFBA, UFC, sendo que no Rio Grande do Norte a universidade não tinha entrado em greve, e no Ceará, Rio Grande do Sul, Goiás e Bahia os docentes refutaram esse acordo em Assembléias Gerais , ou seja, de 6 universidades em greve, 4 se posicionaram contra a própria federação! No site dessa entidade de fachada, só foram divulgados os resultados das Assembléias que lhe interessaram, ignorando completamente a própria base rebelde.

Tentando manobrar o resultado de sua própria base e ganhar alguma legitimidade, que talvez só tenha em São Carlos , tal federação apresentou à público uma enquête virtual duvidosa, que teria sido feita em 43 universidades. Apresentou o número de 5.222 virtuais votantes, o que representaria cerca de 4% da categoria. Não explicitou quem votou, nem o método de votação de universidades que não são sua base sindical.

O vale-tudo do petismo é mais profundo e mortal, deliberado e calculista, pois é travestido de uma roupagem constitutiva da identidade ligada à esquerda brasileira, à luta coletiva, à solidariedade, à resistência, à liberdade. Desse modo, tomando emprestado esses elementos que não lhe dizem mais respeito, esse governo e esse pseudo movimento sindical forjam um acordo que de fato já existia há anos.

Em 2009 o Ministério do Planejamento financiou pesquisa formulação de proposta para reestruturação de reestruturação das carreiras, cargos e salários do serviço público federal, incluindo os docentes. O convênio firmado com a UFSCar mediante “termo de cooperação” garantiu àquela universidade um repasse de 370 mil reais, sendo que um dos docentes participantes era então presidente do PROIFES e vice-presidente da ADUFSCar, recebeu cerca de 24 mil reais pelo trabalho. Os dados estão disponíveis no Portal da Transparência. Se o tramite seguir os ritos próximos, um projeto de lei será remetido à Câmara dos Deputados e à Comissão de Educação, hoje presidida pelo deputado federal do PT, Newton Lima, ex-reitor da UFSCar e ex-prefeito de São Carlos.

Ou seja, a UFSCar, última universidade a entrar em greve e primeira a sair, tendo como partícipe o então presidente do PROIFES vulgarmente chamada de “PROGOV”,, elaborou a proposta que o MPOG apresentou como sua. Coincidência? Fato é que o MPF está investigando essa relação. Fica evidente porque do PROIFES concordou com a proposta do governo: sua estrutura foi pensada e redigida por dirigentes dessa fétida Federação.

Cabe ainda informar que o governo fez e continua fazendo todo tipo de pressão, num verdadeiro “cardápio” digno do mais abjeto regime militar: ameaças veladas, ameaças públicas, chantagem, decretos anti-greve, truculência, autoritarismo. Tentaram no início organizar um corte de ponto “velado”. Por fim estão recomendando aos reitores o corte de ponto dos grevistas, para que estes não corram o risco de sofrerem processo por improbidade administrativa.

Tudo isso contra professores federais que não lutam pelo próprio salário, mas por DIGNIDADE, por condições de trabalho adequadas, por condições justas de carreira, por uma Universidade Pública forte, acessível a todos, com isonomia e padrão universal, com qualidade, democracia interna, que dê conta das exigências e necessidades de ensino-pesquisa-extensão que a sociedade brasileira precisa para deixar de ser uma das com maior desigualdade social no mundo.

Nossa luta não é salarial, mas existencial, social, programática e conceitual.

Como ex-militante do PT por mais de uma década, essa noite eu chorei, pois ainda acreditava que, apesar das profundas divergências, o PT ainda guardava algum traço de sua origem combativa e sindical. Senti também por alguns minutos vergonha de ser professor federal, ao ver colegas docentes inescrupulosos falarem em meu nome, sem minha anuência, forjando dados, manipulando informações.

Por fim concluí, ou melhor, prometi algo que torno público agora: não votarei mais, em circunstância alguma, nesse partido que hoje não faz o jogo da direita, ele é a direita travestida de vermelho, que confunde a população e ilude quem mais precisa do Estado e dos serviços públicos.

Minha crítica não indica desânimo ou reacionarismo, mas aponta a vitalidade e a necessidade de um caminho à esquerda, de um projeto socialista coerente, teoricamente fundado no marxismo. Indica ainda a urgência da construção inadiável de uma nova ordem social pautada nas demandas da maioria, na construção de uma democracia popular direta, contra o autoritarismo burocrático de tecnocratas de plantão, onde a solidariedade de classe seja valorizada em detrimento da competitividade individualista e da ingerência dos interesses de mercado.

Destaco que esse texto é um desabafo, antes que uma reflexão teórica. Finalizo pedindo licença ao leitor, pois o enjôo que sinto me obriga a encerrar esse texto. Depois, tentarei dormir, longe desse pesadelo e dessa fraude chamada petismo.

* Tito Flávio Bellini é mestre em História e Cultura Política pela UNESP-Franca, doutorando em História e Cultura Social pela UNESP-Franca e docente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro – UFTM

01 de agosto de 2012

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